No Chile, um dos paises latino-americanos que mais avançou nos indicadores educacionais após os anos 90, professores e estudantes se unem para barrar as reformas governistas reacionárias e por melhorias na educação. É um grande exemplo e mobilização e luta contra as reformas neoliberais e por uma escola pública gratuita e de qualidade.
Um Exemplo de luta para a América Latina e para o resto do Mundo!
Apesar das velhas práticas repressoras usadas pelo governo "esquerdista" de Michele Bachelet.
Abaixo: Texto extraído do site do MNN (Movimento Negação da Negação)
Para os estudantes e professores chilenos as últimas semanas têm sido de grande mobilização social. No mês de maio e já no começo de junho realizaram-se vários protestos e manifestações pelas ruas das principais cidades do país, principalmente na capital, Santiago. Estudantes secundaristas, universitários e professores têm organizado nas últimas semanas uma série de passeatas para demonstrar a insatisfação com a nova reforma educacional que o governo chileno pretende implantar no país.
Essa Reforma Educacional tem mobilizado os profissionais da educação e os estudantes desde o final do ano passado. Nas últimas semanas os protestos se intensificaram, pois a reforma já está em votação no parlamento. De modo geral, as mobilizações exigem profundas transformações no atual projeto, afirmam que a proposta do governo em vias de aprovação não poderá solucionar os principais problemas que a educação chilena sofre na atualidade.
A rebelião contra a Lei Orgânica Constitucional de Ensino (LOCE)
As manifestações estudantis por transformações na educação chilena surgiram e ganharam grande impulso em 2006, na chamada “Rebelión de los Pingüinos” (uma alusão ao tradicional uniforme escolar chileno). Em 2006, os estudantes foram às ruas exigindo transformações na LOCE (Lei Orgânica Constitucional de Ensino).
Esta lei surgiu em 10 de março de 1990, um dia antes de Pinochet entregar o poder. Durante a ditadura do general a educação chilena foi perdendo seu caráter público e se tornando cada vez mais privada. Mas, os ideólogos de Pinochet supuseram que, com o fim da ditadura militar, os novos governos poderiam descumprir essas normas e retomar a educação pública, por isso, a necessidade da criação de uma lei que legitimasse a liberalização da educação.
Desde a redemocratização do país, a LOCE permaneceu intocada, sem sofrer qualquer alteração. É importante destacar que desde o fim da ditadura de Pinochet, o Chile tem sido governado pela mesma coligação: a Concertación, coalizão de partidos de “centro-esquerda”. Os dois maiores partidos da Concertación são a Democracia Cristã (DC) e o Partido Socialista (PS), partido ao qual pertence a atual presidente, Michele Bachelet.
Diante das grandes manifestações que tomaram as ruas das cidades chilenas em 2006, Bachelet apresentou uma proposta de reforma educacional para satisfazer as reivindicações dos estudantes. Diante da pressão exercida pelas mobilizações, Bachelet propôs uma reforma educacional que foi batizada de “Lei Geral de Educação”.
O projeto da Lei Geral de Educação (LGE)
Segundo o texto Ejes claves del Proyeto de Ley General de Educación,publicado no site do Ministério da Educação Chileno (MINED), o projeto para a Reforma Educacional “reflete as demandas que emanam da mobilização dos estudantes secundários realizadas em 2006. Na tentativa de responder a estas exigências, levantou uma série de propostas de reforma para o LOCE”. Segundo o projeto da LGE, a reforma educacional é uma tentativa de alcançar as exigências levantadas pelos estudantes durante a “Rebelión de los Pingüinos”, numa tentativa de superar as deficiências que a LOCE apresentava e satisfazer as reivindicações dos estudantes.
Vejamos então, os principais pontos do projeto em discussão no parlamento.
1) Trata-se de uma lei democrática que pede a revogação da LOCE.
2) Incorpora e enfatiza os princípios de qualidade de ensino e de eqüidade.
3) Cria a Agência de Qualidade que será responsável pela salvaguarda da qualidade do ensino.
4) Cria a Superintendência de Educação que será responsável pelo controle e regulamentação da utilização de recursos fiscais.
5) Reforça o conceito de comunidades educativas com direitos e deveres para os seus membros: Centro de estudantes, Centros de pais e responsáveis, professores e Escola de Conselhos Consultivos.
6) A LGE estabelece exigências mais rigorosas do que as já existentes para os financiadores atuarem no sistema de ensino.
7) Os fianciadores só podem ser pessoas jurídicas, e aqueles que receberem recursos estatais devem prestar contas.
Segundo o Ministério da Educação estes são os sete principais pontos da nova legislação da educação. Como se vê, nenhum dos principais pontos apresentados são contrários ou combatem a privatização da educação. Nenhum dos pontos indica a retomada do controle do Estado sobre a educação chilena. Pelo contrário, o projeto de Pinochet legitimado pela LOCE continua intocado, pois de maneira geral, a nova Lei Geral de Educação apenas apresenta alguns pontos em que o Estado atuaria “indicando” as normas e os parâmetros a serem seguidos e “fiscalizando” a educação privada, na mão dos sustentadores privados.
Vejamos, mais de perto, alguns pontos fundamentais dessa nova legislação. O ponto 3 afirma que a qualidade da educação será fiscalizada pela chamada “Agência de qualidade”. Contudo, a lei afirma que os próprios financiadores responsáveis pelas escolas e universidades realizarão uma auto-avaliação. E o mais absurdo é que ainda afirmam que a auto-avaliação apresenta vantagens, pois, facilita a elaboração de planos de melhoria. Portanto, o Estado entrega a educação nas mãos dos financiadores e atua apenas “fiscalizando” o cumprimento das normas estabelecidas, mas na verdade quem realizará essa fiscalização será a própria instituição. O Estado ditará as normas e os padrões de exigência, mas serão os próprios financiadores que avaliarão se estão ou não cumprindo essas normas e se a sua instituição está respeitando os padrões de qualidade. Diante disso, está claro que a “Agência de qualidade” cumprirá uma função apenas aparente.
Já os pontos 6 e 7 deixam claro que a educação permanecerá sob o controle das empresas privadas, os financiadores. Sobre a privatização da educação, que foi a questão fundamental norteadora das mobilizações de 2006, a nova legislação não a combate, apenas afirma que aumentarão as exigências sobre essas empresas privadas que controlam a educação. Portanto, o controle sobre a educação continuará a ser realizado apenas pelas empresas sem atuação direta do Estado.
Sobre o aumento das exigências para os financiadores privados que controlam as escolas, o projeto afirma: “A lei define explicitamente que o sustentador deverá ter um projeto pedagógico e o compromisso de cumprir os exigentes padrões de aprendizagem que será fixado nacionalmente.” As primeiras exigências são de que se cumpra os padrões e normas educacionais estabelecidos pelo Ministério da Educação. São padrões e normas que objetivam garantir a qualidade do ensino. Contudo, como já tratamos no ponto 3, a fiscalização sobre essas normas e indicadores de qualidade será realizada pela própria financiadora.
A outra exigência que a LGE acrescenta é que: “Os financiadores deverão garantir a sustentação financeira do estabelecimento educacional para obterem o reconhecimento oficial.” Ora, os financiadores privados deverão ser capazes de manter financeiramente as instituições por eles dirigidas. A pergunta é simples: Como essas empresas serão capazes de manter as escolas e as universidades? Assim como a pergunta, a resposta para essa questão também é simples. A escola ou a universidade terá que dar lucro para o seu financiador. Mas afinal de contas, existe um outro motivo que impulsione uma empresa privada a dirigir um estabelecimento de ensino que não seja o lucro? Pensar que uma instituição privada não vise o lucro é fantasiar e tecer ilusões sobre a produção capitalista.
Ora, só existe um caminho para que estas escolas e universidades (empresas) possam se sustentar financeiramente. Para que sejam capazes de pagar professores e outros funcionários, arcar com os custos da manutenção do prédio e de equipamentos, além de outros inúmeros gastos, as escolas e universidades deverão cobrar pelos seus serviços prestados. É importante destacar que a nova legislação não impõe qualquer limite sobre cobrança de matrículas, mensalidades, materiais e outras possíveis taxas. Quem arcará com os custos da educação senão os próprios estudantes?
Analisando alguns dos principais pontos da nova legislação fica fácil de compreender porque as mobilizações no Chile só têm aumentado diante da proposta de reforma educacional. A LGE não traz nenhuma mudança significativa em relação a LOCE, a nova legislação é apenas um aperfeiçoamento da legislação dos tempos de Pinochet. Como se vê, no processo mundial de destruição das escolas e universidades, da transformação da educação em mercadoria, o Chile parece estar muitos passos a frente dos demais países.
A mobilização estudantil e a greve nacional
Desde a última semana de maio as manifestações dos estudantes contrários a LGE se intensificaram. Diante da proximidade da votação da reforma pelos parlamentares, os protestos se tornaram praticamente diários.
No dia 26 de maio, estudantes da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade do Chile construíram barricadas nas ruas próximas e bloquearam o tráfego. Agitando cartazes, bandeiras e gritando palavras de ordem eles expressaram a rejeição da LGE. Os estudantes foram dispersos pelos carabineros (polícia militarizada chilena), nenhum estudante foi preso. No mesmo dia, outros estudantes do Liceu Lastarria, ocuparam as instalações do colégio e foram expulsos pela polícia repressiva, 23 estudantes foram detidos.
No dia 28, os estudantes do ensino médio de escolas secundárias de Santiago e outras cidades realizaram novos protestos e ocupações. Mais de 200 estudantes do Liceu Carmela Carvajal ocuparam o colégio, enquanto que em Conceição o Liceu de Homero também foi tomado por grande parte dos seus 2.400 alunos. Em ambos os casos a desocupação foi realizada pelos carabineros.
O dia seguinte foi marcado por uma nova onda de protestos. Cerca de 3 mil estudantes secundários se reuniram no centro de Santiago. Os estudantes foram reprimidos pela polícia quando eles tentaram chegar às instalações do Ministério da Educação para entregar uma petição à ministra Monica Jimenez. Durante os protestos foram realizadas 300 detenções. Na cidade interiorana de Antofagasta, também ocorreram protestos e outros 200 alunos foram presos.
Diante de todas essas manifestações, a ministra da educação, Monica Jimenez, disse não compreender as razões que tem motivado os protestos estudantis. Pois segundo ela, a nova lei “revoga o LOCE”. Jimenez disse que a sua vontade é de diálogo com os estudantes, mas, segundo ela: "eles não querem falar conosco, da forma que esperávamos discutir.” O porta-voz do governo, Francisco Vidal, afirmou no dia 29 de maio que: “A opinião do Governo e da Presidente é que devemos assinar este acordo, porque é um avanço, trata-se da lei que revoga a legislação de Pinochet.”
Como se vê, essas declarações de membros do governo chileno evidenciam o total descaso para com os protestos, a presidente e a ministra fingem não entender qual a razão das manifestações e ainda afirmam que a nova legislação realmente representa um avanço para a educação chilena.
Em 30 de maio, houve novos protestos em Santiago, estudantes da Escola Carmela Carvajal Prat, do Liceu Arturo Alessandri e da Universidade Tecnológica Metropolitana (UTEM), foram às ruas e novamente as manifestações foram reprimidas pelos carabineros que prenderam mais de 600 estudantes. Uma das manifestantes detida afirmou que: “neste país não se pode manifestar. Temos sido vitimas de repressão que está sendo imposta a nós, em nosso próprio país. Nós não temos direito de nos manifestarmos”.
Diante da crescente onda de protestos, os estudantes receberam o apoio dos professores. No dia 31 de maio, o Conselho Nacional do Colégio de Professores aprovou a realização de uma greve nacional no dia 4 de junho. A greve teria a pretensão de demonstrar a rejeição dos professores ao projeto da LGE. Segundo o professor Gustavo Mendez: “Esta será uma paralisação absoluta”.
O presidente do Colégio de Professores, Jaime Gajardo, afirmou que “a extraordinária Assembléia Nacional, que é o nosso mais alto status, definiu uma paralisação completa e das atividades nacionais. Queremos um sistema de ensino que garanta a qualidade e a eqüidade da educação para todos, não queremos que este modelo neoliberalista mais consistente, em que apenas as famílias são responsáveis por educar as crianças e se eles não têm dinheiro não tem opção”. Além disso, pediu para que “os pais não enviem seus filhos para escolas do ensino médio e fundamental”.
No dia quatro de junho, as escolas e universidades de Santiago ficaram vazias, sem professores e sem alunos. Mesmo com a forte chuva, pelo menos 3 mil pessoas, entre estudantes e professores, marcharam pelas ruas da capital chilena. Os manifestantes levavam faixas e cartazes com dizeres como: “Chile não educa, lucra!”, “Educação não é mercadoria.”
Segundo dados oficiais, a greve nacional conseguiu uma adesão de cerca de 90% dos professores. Os manifestantes bloquearam o tráfego das principais avenidas da cidade e foram duramente reprimidos pelas forças especiais. Utilizando carros lança-água e gás lacrimogêneo os milhares de manifestantes foram dispersos. Durante os protestos 12 pessoas foram presas.
O papel dos carabineros: a polícia repressiva de Bachelet
Os carabineros são um grupo de policiais especiais. Essa guarnição foi criada pelo ex-ditador chileno Augusto Pinochet, que por meio de um golpe militar derrubou o governo de Salvador Allende e governou o Chile de 1973 até 1990. Nesses quase 20 anos no poder, Pinochet comandou com mãos de ferro uma das ditaduras mais sangrentas da América Latina. Perseguiu, prendeu, reprimiu, torturou e matou milhares de militantes de esquerda que contestavam o seu governo. Nesse cenário banhado por sangue os carabineros cumpriram um importante papel. Eram os policiais responsáveis pela repressão aos opositores, treinados para caçar as bruxas vermelhas e exterminá-las.
Ora, os carabineros são uma herança de Pinochet da qual a presidente do “dito” Partido Socialista não abre mão. Desde 2006, quando assumiu o poder, o governo de Bachelet tem enfrentado constantes manifestações e greves, ora dos estudantes, ora de operários da indústria do cobre. Nesses momentos, quando a população tem se levantado para defender seus interesses imediatos e exigir mudanças, os carabineros têm atuado como o braço direito da presidente. Eles têm sido o seu escudo e braço repressor.
O site ANSA publicou essa semana que a Anistia Internacional (AI) condenou a repressão policial às mobilizações dos estudantes e professores em Santiago, onde agentes carabineros, segundo denúncias, dispararam para controlar os manifestantes. O diretor da AI do Chile, Sergio Laurenti, afirmou que “é repudiável e vergonhoso que manifestações pacíficas sejam constantemente reprimidas”. Ainda acrescentou que “o governo faria bem em recordar que, tanto a sua administração, como a força dos carabnineros do Chile são sustentadas pelo erário público para garantir os direitos e não para reprimir o seu exercício”.
Como se vê, mesmo depois de quase 20 anos do fim da ditadura, os carabineros continuam sendo os responsáveis por conter as manifestações, passeatas e greves dos operários e estudantes chilenos. Essa força de repressão especial continua a cumprir o mesmo papel dos tempos de Pinochet, continuam reprimindo e prendendo oposicionistas que marcham contra a barbárie capitalista. Somente no mês de maio, com os constantes protestos dos estudantes e professores, cerca de 2 mil manifestantes foram presos. Mas agora os carabineros não trabalham mais para o sanguinário Pinochet, mas, sim, para a “socialista” Michele Bachelet.
Para os estudantes e professores a única opção é lutar
Como vimos, o que Bachelet pretende fazer é atualizar a LOCE. A nova legislação significa apenas a continuidade do projeto educacional de Pinochet. Depois de 18 anos, Bachelet está apenas aperfeiçoando a LOCE. Trata-se de uma lei que não combate a privatização, mas, pelo contrário, apenas reafirma a liberalização da educação.
As manifestações e as mobilizações dos estudantes e professores tiveram uma grande repercussão e, diante da pressão exercida nas ruas, a votação do projeto da LGE foi adiada. No entanto, o governo afirmou que manterá a sua “visão” educacional e irá buscar a aprovação da nova legislação. O ministro porta-voz Francisco Vidal alertou os cidadãos, estudantes e professores de que, na incapacidade de aprovar a iniciativa, continuará a prevalecer a “lei de Pinochet”. A questão educacional foi discutida na comissão política com a presidente Bachelet antes de sua viagem ao Canadá e aos Estados Unidos. O porta-voz do governo reafirmou que: “Ou nós mudamos a lei de Pinochet ou não fazemos nada e continuará a lei de Pinochet, bem como claro e simples”.
Ora, como se vê, o governo não está disposto a ceder às pressões do movimento estudantil e dos professores, não está disposto a abrir espaço para uma possível mudança na proposta da LGE. Para Bachelet parecem existir apenas duas opções, ou se mantém a LOCE ou se aprova a LGE, que, como vimos, não promove nenhuma mudança significativa.
Diferentemente da posição adotada pelo governo, professores e estudantes esperam que a nova legislação da educação seja rediscutida e modificada em vários pontos importantes. Espera-se que a LOCE seja realmente revogada e que ela não apenas mude de nome, como tem sido a proposta atual de Bachelet.
Assim como em 2006, os estudantes chilenos estão se organizando e protestando contra a mercantilização da educação. Somente a mobilização social e as lutas diárias nas ruas serão capazes de transformar a sociedade e mudar o curso da humanidade. Aos professores e estudantes só resta a opção de continuar lutando por uma educação pública e de qualidade.
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